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quinta-feira, 28 de março de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (85)

César, Lucrécia e Rodrigo Bórgia
A corrupção foi uma praga que acompanhou a Igreja desde tempos remotos.
Rodrigo Bórgia (1431-1503), que virou papa pela iniciativa do tio cardeal Alonso, é uma mancha feia que envergonha o Vaticano.
O sobrinho de Alonso, que ganhou o nome papal de Alexandre VI, foi corrupto e assassino. Era vingativo e praticante da esbórnia. Teve amantes e pelo menos nove filhos, entre esses César (1475-1503) e Lucrécia (1480-1519).
César puxou ao pai. Era violento e por isso mesmo temido. Lambuzou-se com a riqueza que tinha à disposição.
Lucrécia não costumava dormir só, tampouco deixava esfriar a cama. Como o pai, teve amantes.
Alonso Bórgia, aquele tio do Rodrigo pra quem foi uma verdadeira mãe, também assumiu a cadeira de papa com o nome Calisto III (1455-1458).
O tema corrupção no Clero se acha também na ficção. No romance, na poesia…
Já que estamos ali pelo século 15, lembro que naquele tempo existiu um papa de nome Pio II (1458-1464). Esse papa entrou na história por razões diversas. Era um cara simples, sabido e observador das minúcias do cotidiano. Lia muito e escrevia coisas com gosto. Algumas impublicáveis.
Em 1444, o futuro papa, Enea Silvio Piccolomini (1405-1464) escreveu e publicou um conto erótico. Título: O Conto Dos Dois Amantes, em que “defendia” o amor adúltero.
Pois, pois.
A literatura em todas ou quase todas as línguas registra muitas passagens de personagens reais e fictícios, envolvidos em tudo quanto é pecado. A tragédia prevalece, ao contrário do chavão “E foram felizes para sempre”.
Moisés e os Dez Mandamentos,
de Rembrandt Harmensz
Os chamados Dez Mandamentos que Moisés apresentou a seu povo no Monte Sinai são desrespeitados o tempo todo. O que diz “Não matarás”, por exemplo. Outro é “Não desejar a mulher do próximo”. Se o próximo não estiver muito próximo… Diria um gaiato, pois correria risco de morte, como indica o 9° Mandamento.
Nem é preciso ir muito longe pra conferir na literatura a presença de figuras da Igreja dando vazão aos prazeres da carne e à corrupção.
A Religiosa, mais do que um romance, é a memória de uma personagem real transformada em ficção, que sofre que nem uma condenada ao fogo do Inferno quando a mãe morre. Diderot foi perfeito na narrativa do texto memorialista da personagem Suzanne.
Suzanne Simonin é a caçula dentre duas irmãs. Fruto, porém, de um pulo de cerca da mãe que o pai só iria desconfiar anos depois. E ficaria puto com isso.
A mãe de Suzanne ajeita a vida das duas filhas mais velhas casando-as e dando materialmente tudo que lhe é possível.
A história se passa no século 18, por aí.
Nessa história cabeludíssima tem corrupção, tortura e abusos cometidos até pela madre superiora.
Suzanne a essa altura tem por ali uns 20 anos de idade. Sofre que nem Cristo pregado na cruz.
Pura, simples, natural e ingênua, embora inteligente, considerava-se incapaz de seguir como opção a vida religiosa. Acreditava, porém, na força divina.
Há um momento no livro de Diderot que freiras tiram sarro da jovem Suzanne e a torturam, levando-a a se lascar num calabouço. Ela pede clemência, rogando aos céus pelas desgraças que lhe acontecem. Em vão.
A caminho do calabouço, lembra:
Conduziram-me, com a cabeça nua e os pés descalços, através dos corredores. Eu gritava e pedia socorro, mas tinham tocado o sino a avisar que ninguém acudisse. Eu invocava o céu e deitava-me para o chão, e arrastavam-me. Quando cheguei ao pé das escadas, tinha os pés ensanguentados e as pernas magoadas; teria comovido uma alma de bronze. Abriram com uma grande chave a porta de um pequeno canto subterrâneo e escuro e atiraram-me para cima de uma esteira meio apodrecida pela umidade. Ali, encontrei um bocado de pão negro e um cântaro de água e mais alguns recipientes necessários e toscos. A esteira, enrolada numa das pontas, formava uma almofada. Num bloco de pedra havia uma caveira e um crucifixo de madeira. O meu primeiro impulso foi destruir-me; levei as mãos à garganta, rasguei a minha roupa com os dentes, dei gritos pavorosos. Uivava como um animal feroz, batia com a cabeça nas paredes e fiquei coberta de sangue. [...]
Diderot começa seu livro reproduzindo cartas da personagem e pessoas que a rodeiam.
Como Eça de Queiroz, Diderot desenvolve o texto tascando o pau no Clero do seu tempo e do tempo da personagem Suzanne.

Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora

quarta-feira, 27 de março de 2024

VAMOS BRINCAR DE CIRCO?

Eu sou do tempo em que criança vivia sua fase criança.
Eu sou dos tempos passados de 50. Pra ser exato, 1952.
Brinquei de esconde-esconde, de amarelinha, de pula fogueira, pula-pula, corrida do saco...
Eu gostava também muito de adivinhas. 
Lembro que a primeira vez que eu vi bobagens como: o que é o que, pula pra rir e faz béh?
Coisa boba, né?
Outra: o que é o que é, cai de pé e corre deitado?
E os circos, hein?
Frequentava muito os circos. Eu rachava o bico com as bobagens e bagunças dos palhaços. 
Houve muitos palhaços famosos, que marcaram Arrelia, Piolin, Carequinha, Fuzarca e Torresmo.
Já na fase adulta, privei da amizade de Waldemar Seyssel, que vem a ser Arrelia. Tudo bem, tudo bem, tudo bem!
Hoje a brincadeira da criançada é o celular.
Ah, sim: hoje é o Dia do Circo.


terça-feira, 26 de março de 2024

CENSURA É UMA MERDA!

Foi não foi a Inquisição mostra as suas garras dos modos os mais diferentes possíveis.
A Inquisição carrega no seu bojo a censura e tudo que não presta. Em nome da família e do bem comum, muitas mortes foram aberrantemente patrocinadas por ela.
É como se ainda vivêssemos o obscurantismo medieval.
Foi na virada de março para abril de 1964 que os militares, patrocinados por poderosos civis, encheram de tanques o centro do Rio de Janeiro, calando no nascedouro a boca do povo.
O tempo, naquele tempo, fechou.
Foram 21 anos de cabresto e terror.
Muitos brasileiros e brasileiras foram perseguidos, presos, torturados e, quando não mortos, exilados.
A impressão que às vezes tenho é que o bicho verde-oliva graduado está a postos, na esquina, à espera de um sinal qualquer do Capeta para atirar-se contra todas as leis que regem o campo do bom viver, destruindo a Constituição e a esperança.
Pois é, a censura está mostrando aos poucos suas garras.
No Paraná, PR, o governo mandou retirar das escolas o livro O Avesso da Pele, do carioca Jeferson Tenório.
Esse mesmo livro também foi censurado numa escola de Porto Alegre, RS.
Esse mesmo livro, e tudo neste mês de março, foi também suspenso do currículo escolar em Goiás. A decisão foi do governador bolsonarista Ronaldo Caiado.
O Avesso da Pele é um romance que trata de racismo e dos problemas provocados pela cor da pele. Trata também de questões referentes ao sexo.
Lá atrás, durante a ditadura militar, de cara foram proibidos os livros Eu sou uma Lésbica, de Cassandra Rios; Roque Santeiro, de Dias Gomes; O casamento, de Nelson Rodrigues; Feliz Ano Novo, de José Rubem Fonseca e Laranja Mecânica, de Anthony Burgess.
Também naqueles tempos foram proibidos outros títulos de filmes dirigidos por estrangeiros como O Império dos Sentidos, O Último Tango em Paris e Garganta Profunda.
Liberados depois, esses filmes nada provocaram de espantoso na vida de que os assistiu.
A censura é uma merda, não é mesmo?

segunda-feira, 25 de março de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (84)

O erotismo está em todo canto, no corpo e na alma de todos.
Desde sempre mil histórias de safadeza são descobertas e contadas pra quem quiser ouvir.
O Papa Francisco, escolhido por seus pares cardeais em 2013, assumiu o cargo dizendo a que vinha. E não demorou a abrir a caixinha dita de Pandora cheia de pecados cabeludos cometidos por padres, freiras e noviços ao longo da história da santa Igreja Católica. 
Ao denunciar em público o comportamento delituoso de religiosos, Francisco por muitos foi amaldiçoado e por pouco não sucumbiu no fogaréu do Inferno. Disse coisas assim:
“Diante dos abusos cometidos por membros da Igreja, não basta pedir perdão”
E continuou: 
“Trabalhamos por muito tempo sobre este assunto. Suspendemos vários clérigos, que foram despedidos por isso”.
Falou também de freiras que se comportam diferentemente do que orienta a Igreja:
“Não sei se o processo (canônico) terminou, mas também dissolvemos algumas congregações femininas que estiveram muito vinculadas à corrupção”.
Vale a pena ler o livro Erotismo, do francês Georges Bataille (1897-1962).
Vale a pena também ler o livro A Religiosa, de Denis Diderot (1713-1784), mesmo autor de Carta sobre os Cegos para uso daqueles que vêem.
Diderot estudou em colégios de jesuítas, mas não virou padre. Virou ateu cáustico crítico da Igreja Católica. Dizia ser menos penoso negar a Deus do que aceitá-lo, por isso foi preso.
Vale a pena também ler Decamerão, do escrachado Boccaccio. O livro trata de amor e moralismo.

Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora

domingo, 24 de março de 2024

LICENCIOSIDADE NA CULTURA POPULAR (83)

Camões, pelos traços de Fausto Bergocce
Centenas de embarcações foram afundadas e milhares e milhares de homens pereceram entre ondas e nas bocarras de monstros marítimos.
Cena idêntica a essa aqui narrada acha-se no livro Os Lusíadas. É quando Netuno, incentivado por seu parceiro Baco, faz do fundo do mar emergirem monstros que botam, literalmente, pra quebrar embarcações onde se acham marujos desbravadores dos caminhos das Índias. Dito isso, digo também o óbvio: Camões inspirou-se nos escritos de Homero para compor sua fabulosa obra.
Ovídio também inspirou-se em Homero, que o tinha como mestre. Isso é válido também para Virgílio, que pôs o guerreiro troiano Enéias como herói da epopeia narrada em Eneida.
Ovídio, Virgílio, Homero…
No clássico A Divina Comédia, de Dante Alighieri, aparecem os poetas ora citados. Aparecem na primeira das três partes do livro: O Inferno.
Quando Dante morre está a sua espera, na porta do Inferno, o autor de Eneida que outro não é senão Virgílio.
Virgílio pega Dante pela mão e a ele vai mostrando os labirintos do reino de Lúcifer. O passeio é cansativo e enervante. 
Depois de conhecer o Inferno, Dante segue com seu guia labirinto adentro. Chega ao Purgatório. Ali pelas proximidades vê o Limbo e almas ora apáticas, ora tensas.
Na última parte ou estação do livro, o Paraíso, se acha o grande amor de Dante: Beatriz. E mais não digo.
O amor está na vida, nos seres viventes, e nos elementos naturais: Terra, Fogo, Água e Ar.
Inferno, Canto XXXII − gravura de Gustave Doré
Ah! Odisseia trata do retorno tumultuado de Ulisses aos braços da amada Penélope. 
O retorno do herói grego durou mais tempo do que a guerra travada em Tróia: quase duas décadas. 
Ali pelo século 4 da nossa Era, um cidadão chamado Agostinho era doido por um rabo de saia. Tinha uns 15 anos quando se apaixonou por uma garotinha de 12. Queria com ela se juntar, mas as leis da época não permitiam; só depois dos 14. Volúvel, desistiu de casar com a menina. Sem ter muito o que fazer, o varão estudava e aos domingos ia com sua turma à Igreja só pra paquerar. 
No texto autobiográfico Confissões, confessou Agostinho: “Eu me esbanjava e ardia nas minhas fornicações”.
Dois anos depois de deixar sua juvenil paixão, Agostinho juntou-se com uma jovem e com ela teve um filho de nome Adeodato.
Resumo da ópera: Agostinho separou-se depois de 15 anos de casamento. 
Com 33 anos de idade, Agostinho converteu-se ao cristianismo pra valer a pedido da mãe,  Mônica. Virou monge em Hipona, África. Morreu e virou santo. A mãe também. O pai, não sei.

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